VOZES NEGRAS: Carolina Maria de Jesus

  • Carolina Maria de Jesus (Sacramento – MG, 1914 – São Paulo – SP, 1977)

Primeira autora negra brasileira a conhecer a fama no mundo editorialCarolina Maria de Jesus teve pouco acesso aos recursos básicos da vida em sociedade. Cursou apenas os dois primeiros anos do Ensino Fundamental e viveu uma vida marcada pela miséria.

Mantinha diários e cadernos onde escrevia poemas e tomava notas sobre a desgastante realidade que se impunha à sua volta. Foi descoberta por um jornalista quando morava na favela do Canindé, em São Paulo, vivendo como catadora de lixo.

Carolina Maria de Jesus foi a primeira autora brasileira negra que obteve fama a partir de suas publicações. [2]
Carolina Maria de Jesus foi a primeira autora brasileira negra que obteve fama a partir de suas publicações. [2]

É principalmente desse período que trata o livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada, a mais conhecida de suas publicações, onde a autora evidencia a situação marginalizada em que vivia, lutando contra a fome, a sujeira, o racismo entre os moradores da favela e os transeuntes da cidade, entre outras mazelas.

A obra vendeu mais de 10 mil exemplares na semana do lançamento, e 100 mil durante o ano. Em vida, Carolina publicou ainda mais três obras, e outras quatro foram lançadas após sua morte.

13 de Maio. Hoje amanheceu chovendo. É um dia simpático para mim. É o dia da Abolição. Dia que comemoramos a libertação dos escravos.

…Nas prisões os negros eram os bodes expiatorios. Mas os brancos agora são mais cultos. E não nos trata com desprezo. Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz.

Continua chovendo. E eu tenho só feijão e sal. A chuva está forte. Mesmo assim, mandei os meninos para a escola. Estou escrevendo até passar a chuva, para eu ir lá no senhor Manuel vender os ferros. Com o dinheiro dos ferros vou comprar arroz e linguiça. A chuva passou um pouco. Vou sair. …Eu tenho tanto dó dos meus filhos. Quando eles vê as coisas de comer eles brada:

– Viva a mamãe!

A manifestação agrada-me. Mas eu já perdi o hábito de sorrir. Dez minutos depois eles querem mais comida. Eu mandei o João pedir um pouquinho de gordura a Dona Ida. Ela não tinha. Mandei-lhe um bilhete assim:

– “Dona Ida peço-te se pode me arranjar um pouco de gordura, para eu fazer uma sopa para os meninos. Hoje choveu e eu não pude catar papel. Agradeço, Carolina”.

…Choveu, esfriou. É o inverno que chega. E no inverno a gente come mais. A Vera começou pedir comida. E eu não tinha. Era a reprise do espetaculo. Eu estava com dois cruzeiros. Pretendia comprar um pouco de farinha para fazer um virado. Fui pedir um pouco de banha a Dona Alice. Ela deu-me a banha e arroz. Era 9 horas da noite quando comemos.

E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual – a fome!”

(Quarto de despejo: diário de uma favelada)

VOZES NEGRAS: Maria Firmina dos Reis

  • Maria Firmina dos Reis (São Luís – MA, 1822 – Guimarães – MA, 1917)

Primeira mulher a publicar um romance no Brasil, o trabalho de Maria Firmina dos Reis foi um precursor da literatura abolicionista brasileira. Assinado com o pseudônimo “uma maranhense”, Úrsula foi lançado em 1859.

Contracapa do romance Úrsula.
Contracapa do romance Úrsula.

A autora, filha de pai negro e mãe branca, foi criada na casa da tia materna, em contato direto com a literatura desde a infância. Além de escritora, Maria Firmina dos Reis foi também professora e chegou a lecionar para salas mistas – meninos e meninas, brancos e negros, todos na mesma turma –, uma grande inovação no século XIX, e também um enfrentamento às instituições patriarcais e escravistas da época.

 

“Meteram-me a mim e a mais trezentos com­panheiros de infortúnio e de cativeiro no estreito e infecto porão de um navio. Trinta dias de cruéis tormentos, e de falta absoluta de tudo quanto é mais necessário à vida passamos nessa sepultura até que abordamos as praias brasileiras. Para caber a mercadoria humana no porão fomos amarrados em pé e para que não houvesse receio de revolta, acorrentados como os animais ferozes das nossas matas, que se levam para recreio dos potentados da Europa. Davam-nos a água imunda, podre e dada com mesquinhez, a comida má e ainda mais porca: vimos morrer ao nosso lado muitos companheiros à falta de ar, de alimento e de água. É horrível lembrar que criaturas humanas tratem a seus semelhantes assim e que não lhes doa a consciência de levá-los à sepultura asfixiados e famintos!”

(Trecho do romance Úrsula)

Origens da Literatura Negra

O conceito de literatura negra consolidou-se em meados do século XX, com o surgimento e o fortalecimento dos movimentos negros. A pesquisadora Maria Nazareth Soares Fonseca pontua que a gênese das manifestações literárias negras em quantidade deu-se na década de 1920, com o chamado Renascimento Negro Norte-americano, cujas vertentes – Black RenaissanceNew Negro e Harlem Renaissance – resgatavam os vínculos com o continente africano, desprezavam os valores da classe média branca americana e produziram escritos que constituíram importantes instrumentos de denúncia da segregação social, bem como direcionavam-se à luta por direitos civis do povo negro.

Segundo Fonseca, foi essa efervescente produção literária a responsável pela afirmação de uma consciência de ser negro, que depois espalhou-se para outros movimentos na Europa, Caribe, Antilhas e diversas outras regiões da África colonizada.

É importante ressaltar que há diversas tendências literárias dentro do conceito de literatura negra. As características mudam de acordo com o país e o contexto histórico em que o texto é produzido, de modo que a literatura produzida no início do século XX nos Estados Unidos foi diferente daquela produzida em Cuba (o chamado Negrismo Crioulo), que por sua vez diferiu das publicações do movimento da Negritude, nascido em Paris, na década de 1930, bem como a produção negro-brasileira teve suas próprias peculiaridades, pois a experiência de ser negro em cada um desses territórios é também diversa.

Embora o conceito de literatura negra tenha aparecido apenas no século XX, a produção literária feita por negros e abordando a questão negra existe no Brasil desde o século XIX, mesmo antes do fim do tráfico negreiro. É o caso dos poucos lembrados (e abolicionistasLuiz Gama e Maria Firmina dos Reis, a primeira romancista negra da América Latina e seguramente a primeira autora mulher abolicionista da língua portuguesa.

É o caso também dos célebres Cruz e Sousa, ícone do movimento simbolista, do pré-moderno Lima Barreto e do maior escritor da literatura brasileira, Machado de Assis – este último, constantemente embranquecido pela mídia e pelas editoras, a ponto de muita gente desconhecer que era negro.

Os mais de três séculos de escravidão normalizaram, no Brasil, a exclusão cabal da população negra da participação cidadã e sua incorporação aos meios oficiais de cultura. Resistindo nas franjas desse sistema, a intelectualidade negra fundou, em 1833, o jornal O Homem de Cor, publicação de cunho abolicionista, uma entre várias que se manifestaram em número cada vez maior ao longo do século XIX e XX, reivindicando as pautas que os outros veículos de mídia não contemplavam.

imprensa negra, aliás, é uma pedra fundamental da imprensa brasileira, de modo que a própria Associação Brasileira de Imprensa (ABI) foi fundada por um escritor negro, Gustavo de Lacerda.

 

Literatura Negra – Apresentação

Entende-se por literatura negra a produção literária cujo sujeito da escrita é o próprio negro. É a partir da subjetividade de negras e negros, de suas vivências e de seu ponto de vista que se tecem as narrativas e poemas assim classificados.

É importante ressaltar que a literatura negra surgiu como uma expressão direta da subjetividade negra em países culturalmente dominados pelo poder branco – principalmente os que receberam as diásporas africanas, imigrações forçadas pelo regime do tráfico negreiro. É o caso do Brasil, por exemplo.

A chamada literatura brasileira oficial ou canônica, ou seja, aquela que corresponde aos livros “clássicos”, contemplados pelos currículos escolares, reflete esse paradigma da dominação cultural branca: é, em sua maioria esmagadora, escrita por brancos retratando personagens brancos.

A presença de personagens negras é sempre mediada por esse distanciamento racial e de modo geral reproduz estereótipos: é a mulata hipersexualizada, o malandro, o negro vitimizado etc. É o caso das personagens negras de Monteiro Lobato, por exemplo, retratadas como serviçais sem família (Tia Anastácia e Tio Bento), e aptos à malandragem como um fator natural (como o Saci-Pererê, jovem sem vínculos familiares que vive enganando as pessoas do sítio).

Assim, é por meio da literatura negra que as personagens e autores negros e negras retomam sua integridade e sua totalidade enquanto seres humanos, rompendo o círculo vicioso do racismo institucionalizado, entranhado na prática literária até então.

“A discriminação se faz presente no ato da produção cultural, inclusive na produção literária. Quando o escritor produz seu texto, manipula seu acervo de memória onde habitam seus preconceitos. É assim que se dá um círculo vicioso que alimenta os preconceitos já existentes. As rupturas desse círculo têm sido realizadas principalmente pelas suas próprias vítimas e por aqueles que não se negam a refletir profundamente acerca das relações raciais no Brasil”. |1|

Os Cadernos Negros foram criados a fim de compilar e divulgar produções de autores negros.[1]
Os Cadernos Negros foram criados a fim de compilar e divulgar produções de autores negros.[1]

A inserção do feminismo em diversos campos literários 

A inserção do feminismo em diversos campos literários 

Na chamada Segunda onda do feminismo, a famosa autora de obras de Ficção Científica e Fantasia, Ursula K. Le Guin, sempre colocou o feminismo no centro de suas histórias. Sua mãe, Theodora Kroeber, apenas tornou-se escritora após os 60 anos, por conta da pressão da sociedade em relação as supostas obrigações e prioridades das mulheres, como formar família, cuidar do lar, casar, etc. Ao encontrar apenas aos 60 anos a liberdade tanto procurada em sua vida, a mãe de Ursula começou a escrever e influenciar a sua filha a ir contra estes valores enraizados sobre quem uma mulher deve ser e qual profissão ela deverá seguir. Ursula K. Le Guin é autora de livros aclamados como Os despossuídos e A mão esquerda da solidão. 

Outra autora que inovou ao tratar do feminismo em histórias com enredo distópico, foi Margaret Atwood. Nascida em 18 de novembro de 1939, seu livro O conto de Aia,  no qual Atwood narra o cotidiano de um futuro apocalíptico, onde a sociedade é dominada por um movimento totalitário e fundamentalista cristão, marcou a história dos livros que discutem o assunto em narrativas que fogem do comum romance, elegendo protagonistas fortes e com apelo heroico – uma característica que antes era típica de personagens masculinos.

A terceira e última onda do feminismo começou em 1990 e ocorre até hoje. Nesta fase, os conceitos anteriormente aceitos do movimento são questionados em vista da realidade de milhares de mulheres. Um dos paradigmas que foi quebrado é a de que toda mulher é igual e luta em favor dos mesmos direitos – um pensamento que foi esquecido após a percepção de que mulheres de classes, raças e países distintos tem oportunidades distintas, assim como necessidades e desejos.

Quem foram as primeiras escritoras feministas?

Quem foram as primeiras autoras feministas?

Se os primórdios do movimento Feminista fossem divididos em uma linha do tempo, logo depois da popularidade do livro Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher, de Mary Wollstonecraft, teria a influência das obras de Gertrude Stein. A autora, nascida em 3 de fevereiro de 1874 nos Estados Unidos, é mais conhecida por ter sido o braço direito de autores consagrados como T. S. Eliot, Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald, mas o seu legado foi muito além do que a colaboração com outros homens. Lésbica e adepta de ideais vanguardistas em relação à arte e literatura, escreveu o livro A autobiografia de Alice B. Toklas, uma obra que ditou o pensamento literário que dominou a geração da década de 1920, 1930 e 1940. No entanto, trata-se de uma autobiografia da companheira de mais de 25 anos de Gertrude, Alice Toklas. A sua importância é devido a capacidade da autora de falar sobre a banalidade da vida do Homem, estabelecendo uma analogia entre o ritmo da vida em sociedade com uma narrativa incessante. Além disso, Stein foi a criadora da expressão Lost Generation (Geração Perdida), que classificava o grupo de escritores americanos que viviam na Europa nos anos 1920.

As autoras Gertrude Stein Mary Wollstonecraft fizeram parte da chamada Primeira onda do feminismo, que começou no período que antecedeu a chegada século XX e que terminou em meados da década de 1930. Ainda presentes nesta primeira fase, estão as autoras clássicas ao que se refere o tema, como Virginia Woolf e Simone de Beauvoir. A obra de Woolf Um teto todo seu, de 1929, aborda o preconceito e as dificuldades que as mulheres encontravam naquele tempo se quisessem dedicar suas vidas à literatura. Ao ser questionada em uma palestra numa universidade inglesa sobre o que uma mulher precisa para ser uma escritora, Virginia Woolf respondeu que “uma mulher deve ter dinheiro e um teto todo seu, se quiser escrever ficção.” Esta frase é a premissa na qual este livro se desenvolve.

Conhecida por seu trabalho nos campos da Filosofia e Sociologia, Simone de Beauvoir é uma das principais escritoras que discutiram em suas obras os direitos da mulher e o seu lugar na sociedade. Nascida em Paris no dia 9 de janeiro de 1908, de Beauvoir era uma teórica social francesa que teve bastante influência da filosofia Existencialista e incorporou os significados da teoria no feminismo e na Teoria Feminista. A escritora publicou obras que são estudadas não só em meios acadêmicos do mundo inteiro, mas também em rodas de debates sobre o assunto. Entre elas, estão O segundo sexo A mulher desiludida. Simone de Beauvoir viveu na prática seus ideais e dedicou sua vida aos estudos acadêmicos, ao ativismo político, a busca pela igualdade, ao ensino e principalmente ao questionamento de tabus e do status quo na vida das mulheres.

ESCRITORAS FEMINISTAS: Simone de Beauvoir

Simone de Beauvoir

Simone Beauvoir

Foto: Divulgação

As leituras de Simone são praticamente obrigatórias. Não apenas O Segundo Sexo, que é a Bíblia feminista, mas todos os seus romances como A Convidada, que aborda questões existencialistas, o amor de diversos ângulos, o ciúme, a decepção, raiva, frustração. Ela vai tratar não só das suas preocupações filosóficas, mas ponderando o papel da mulher nelas

ESCRITORAS FEMINISTAS: Nélida Piñon

Nélida Piñon

Nelida Pinon

Foto: Leo Martins/Agência Globo

Nélida Piñon é pouco lida no Brasil, mas importantíssima na Literatura Brasileira e mundial. Foi a primeira mulher presidente da Academia Brasileira de Letras e é muito traduzida lá fora. Não é uma leitura fácil, mas é maravilhosa. Tem crônicas, contos e romances importantes como A Doce Canção de CaetanaA República dos Sonhos e Vozes do Deserto – neste último ela revela a mulher oculta por trás do mito da mais famosa narradora da literatura oriental, Scherazade.

ESCRITORAS FEMINISTAS: Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes

Foto: Anderson Prado, Diário de S. Paulo

Entre as escritoras nacionais, a Lygia tem uma história importante no feminismo. Se formou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco nos anos 1940, época em que os estudantes do curso eram majoritariamente homens. Seu livro As Meninas foi escrito e lançado em plena ditadura militar e traz a história de Lorena, Ana Clara e Lia em meio às pressões da época. Já A Disciplina do Amor, conta episódios da sua vida entremeados com ficção.

ESCRITORAS FEMINISTAS: Laura Esquivel

Laura Esquivel

Laura Esquivel

Foto: Divulgação

Laura Esquivel é uma autora mexicana que ficou famosa pelo livro Como Água para Chocolate, em que relaciona a arte de cozinhar aos amores, desamores, risos e prantos. Nos últimos 20 anos ela fez diferença no cenário que se chamou de boom das novelas femininas, exatamente por fazer um questionamento de dentro para fora.

ESCRITORAS FEMINISTAS: Clarice Lispector

Clarice Lispector

Clarice Lispector

Foto: Divulgação

Clarice tem que aparecer sempre. Ainda que ela não trate diretamente de questões feministas, não há nada mais feminista do que um livro como A Paixão Segundo G.H.. Ela serve para tudo e ninguém passa impune à sua leitura. Perto do Coração SelvagemA Hora da Estrela, todos são ótimos romances. Ela enfia o dedo na ferida sem dó, e propõe questões humanas com protagonistas femininas.

ESCRITORAS FEMINISTAS: Isabel Allende

Isabel Allende

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Foto: Facebook/Divulgação

Isabel Allende é uma escritora chilena que mora nos Estados Unidos há muito tempo e seu livro mais famoso é a Casa dos Espíritos. Suas protagonistas nunca são mulheres fracas, não há uma sequer que coloque em cheque a questão da subalternidade feminina ou situações em que você imagine que as mulheres não irão atuar e nem tomar a frente da própria história.

Ela também dá muitas palestras hoje em dia sobre o lugar das mulheres tanto no mundo literário quanto político.

Clube do Gueto