Livro do Desassossego

Busco-me e não me encontro. Pertenço a horas crisântemos, nítidas em alongamentos de jarros. Devo fazer minha alma uma ciosa decorativa.

Não sei que detalhes demasiadamente pomposos e escolhidos definem o feitio do meu espírito. O meu amor ao ornamental é, sem dúvida, porque sinto nele qualquer coisa de idêntico à substância da minha alma.

Fernando Pessoa, p. 88

A Máquina de Fazer Espanhóis

“Colei o rosto ao vidro. O meu carro estava mesmamente parado, afinal o parque conseguia escoar a água com uma capacidade admirável. Tudo não passara de um medo demasiado pelas coisas mais naturais da vida. E, naquele momento, a chuva nem sequer se intensificara, nem trovoava, nem coisa nenhuma maior ou mais esdrúxula que quisesse significar que me conhecia. E eu chegara o rosto ao vidro exatamente para que me lavasse, para que desfizessem o meu corpo ou, ao menos, a minha consciência.”

– valter hugo mãe

Livro do Desassossego

     A vida é para nós o que concebemos nela. Para o rústico cujo campo próprio lhe é tudo, esse campo é um império. Para o César cujo império ainda lhe é pouco, esse império é um campo. O pobre possui um império; o grande possui um campo. Na verdade, não possuímos mais que as nossas próprias sensações; nelas, pois, que não no que elas veem, temos que fundamentar a realidade da nossa vida.

Isto não vem a propósito de nada.

– Fernando Pessoa

Clube do Gueto