Amanheceu na rodoviária – Jose Arthuso

Um homem escutando

o resultado dos jogos

no radinho de pilha

a mocinha logista

comendo coxinha

e matando uma mosca

com um sorriso,

policiais chutando mendigos

com seus coturnos clérigos,

um casal de hippies

vendendo filtros de sonhos

na realidade de um pesadelo urbano,

passos emergindo

do ponteiro de um relógio

em direção ao embarque

de um suicídio cotidiano

corre, corre

para onde?

por todos os lados.

apitos de ordens

abre o jornal

recebe mensagem,

uma selfie?

paga a passagem,

para onde?

quem sabe?

um cenário de metal

pousa no meu ombro,

eu vislumbro

um oceano.

A Culpa É das Estrelas – John Green

[…] Só estava tentando reparar em todos os detalhes: a luz das Ruínas arruinadas,  criancinha que mal conseguia andar descobrindo um graveto no canto do playground, minha infatigável mãe ziguezagueando a mostarda no sanduíche de peru dela, meu pai dando batidinhas no smartphone no bolso e resistindo à tentação de dar uma espiada, um cara jogando um frisbee que seu cachorro ficava correndo para alcançar e depois levar de volta para ele.

Quem sou eu pra dizer que essas coisas podem não durar pra sempre? Quem é Peter Van Houten para afirmar como verdade a conjectura de que nossa labuta  é temporária? Tudo o que sei sobre o paraíso e tudo o que sei sobre a morte está naquele parque: um universo elegante em movimento constante, puluando com ruínas arruinadas e crianças estridentes.

Roxo – Adélia Prado

Roxo aperta.
Roxo é travoso e estreito.
Roxo é a cordis, vexatório,
uma doidura pra amanhecer.
A paixão de Jesus é roxa e branca,
pertinho da alegria.
Roxo é travoso, vai amadurecer.
Roxo é bonito e eu gosto.
Gosta dele o amarelo.
O céu roxeia de manhã e de tarde,
uma rosa vermelha envelhecendo.
Cavalgo caçando o roxo,
lembrança triste, bonina.
Campeio amor pra roxeamar  apaixonada,
o roxo por gosto e sina.

Louvação para uma Cor – Adélia Prado

O amarelo faz decorrer de si os mamões e sua polpa,
o amarelo furável.
Ao meio-dia as abelhas, o doce ferrão e o mel.
Os ovos todos e seu núcleo, o óvulo.
Este, dentro, o minúsculo.
Da negritude das vísceras cegas,
amarelo e quente, o minúsculo ponto,
o grão luminoso.
Distende e amacia em bátegas
a pura luz de seu nome,
a cor tropicardiosa.
Acende o cio,
é uma flauta encantada,
um oboé em Bach.
O amarelo engendra.

Louvação para uma Cor – Adélia Prado

O amarelo faz decorrer de si os mamões e sua polpa,
o amarelo furável.
Ao meio-dia as abelhas, o doce ferrão e o mel.
Os ovos todos e seu núcleo, o óvulo.
Este, dentro, o minúsculo.
Da negritude das vísceras cegas,
amarelo e quente, o minúsculo ponto,
o grão luminoso.
Distende e amacia em bátegas
a pura luz de seu nome,
a cor tropicardiosa.
Acende o cio,
é uma flauta encantada,
um oboé em Bach.
O amarelo engendra.

Azul sobre Amarelo, Maravilha e Roxo – Adélia Prado

Desejo, como quem sente fome ou sede,
um caminho de areia margeado de boninas,
onde só cabem a bicicleta e seu dono.
Desejo, como uma funda saudade
de homem ficado órfão pequenino,
um regaço e o acalanto, a amorosa tenaz de uns dedos
para um forte carinho em minha nuca.
Brotam os matinhos depois da chuva,
brotam os desejos do corpo.
Na alma, o querer de um mundo tão pequeno,
como o que tem nas mãos o Menino Jesus de Praga.

Antes do Nome – Adélia Prado

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o ‘do’, o ‘aliás’,
o ‘o’, o ‘porém’ e o ‘que’, esta incompreensível
muleta que me apoia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é o Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

Clube do Gueto