A estante do vovô

Todo início de relação tem sua fase de encantamento. Minha relação com os livros surgiu do encantamento por uma estante. A estante do vovô.

A estante do meu avô paterno era pequena, tinha no máximo umas quatro prateleiras, era de uma madeira escura e vivia fechada, mas toda vez que íamos visitá-lo, fatalmente entre uma troca e outra de idéias entre meu avô e meu pai, a estante se abria.

Abri-la era como estar diante de um Portal, um mundo diverso do meu, tudo nele me encantava: o cheiro dos livros, o barulho do trilho da porta, o mexer dos livros, a textura das capas, a estante e seus livros eram hipinóticos.

Estava consumado nosso compromisso, um pacto de paixão e cumplicidade: Eu e a estante de livros do meu avô. E cresci embalada pelas histórias que ele contava, pelos debates políticos entre meus tios e ouvia atenta as lendas amazônicas que daqueles livros guardados saiam toda vez que a luz faltava. Foi desse modo, simples e ruidoso, que minha paixão pelos livros começou.

Essas memórias estão sempre vivas, porque devo deixar também vivo meu avô, sua essência e sabedoria, tudo nessas lembranças fez de mim a leitora que sou hoje; e se depender de mim não há de se perder uma única linha que salta das estantes. Porque dessa vida só deixamos lembranças e levamos nossas experiências.

E dessa forma, entre estantes e livros caminho para liberdade, e desejo ao fim da vida poder deixar um o legado: Leitores e Encantados por livros. Pois a maior lição que a estante do meu avô me deixou foi perceber que ler liberta! Liberte-se.

Ruiva Moça

Era uma simples manhã, como qualquer outra de dias normais. Neste dia,
era preciso a resolução de algumas coisas no centro da cidade. Já que
automóvel não possuo, usei da condução. De o meu acordar ao meu
caminhar ao ponto de ônibus, meu espírito era de puro tédio.
Ao chegar ao ponto de ônibus, pouco esperei até a chegada da condução
que me era necessária. Subi ao ônibus, executei os procedimentos padrão
de qualquer outro passageiro. Porém ao momento que passei à catraca,
meu tédio pareceu deixar de habitar em meu espírito. Avistei um bela
moça ruiva, ela não fitou-me, creio que estava a contemplar a paisagem
urbana. Então, como força do destino, havia um lugar vazio ao seu lado.
Mesmo que eu quisesse sentar-me a outro local, não era possível, pois
apenas aquele havia disponível. Encaminhei-me ao assento e sentei-me,
retirei um livro de minha mochila e iniciei a leitura.
Contudo eu não conseguia me concentrar nos escritos de Machado. O
perfume da bela senhorita, tirou-me os sentidos e deixou apenas o olfato,
aquela fragrância era maravilhosa, nunca tivera sentido algo tão delicioso.
Embriaguei-me naquele doce perfume. Mesmo fixo nas páginas da obra,
olhava-a com os cantos dos olhos e ao máximo tentava contemplar
aquela beleza única. Por alguns segundos, mergulhei na fantasia, e
toquei-lhe a pele branca, senti seu perfume diretamente da fonte, e
enlacei meus dedos em seus lindos cachos ruivos.
Mas os segundos são pouco duráveis, não assemelham-se a horas, dias ou
uma inteira vida. Voltei de meu rápido sonho por força maior, meu
compromisso. Ali fiquei sentado, sem muito que pensar e sem forças para
algo dizer para uma conversa tentar iniciar, não tive um único gesto.
Assim segui a viagem, quieto, calado, embriagado.
Em belo momento, vi um fio de seu cabelo pairar no ar e repousar sobre a
página que tentava ler. Peguei-o, e senti como se fosse suas macias mãos.
Enchi-me de ânimo, eu parecia começar a ferver, e algo gritava-me para
com ela dialogar, a cada instante que recusava, essa voz ficava mais alta,
ao ponto de me ensurdecer. Várias emoções consumiam-me, não havia
tédio algum em minha alma, apenas um vulcão que deixou-me febril.
Então a vida com sua liquidez flui, e à ruiva moça, pediu-me licença para
descer, maquinalmente dei-lhe passagem, ela foi-se.

Clube do Gueto