Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada: Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte. E a curva dos lábios manteve a inocência. Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surprendido consigo própio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria alegria de ser. Alegria de encontar na figura exterior os ecos da figura interna: ah então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.
Crônica extraída do livro : A descoberta do mundo – Clarice Lispector
Existe um ditado que diz “a sua felicidade é como a chave da sua casa, não as deixe nas mãos de qualquer um”. Muito verdade. Ditados, em sua grande maioria, são a sabedoria do povo traduzida em poucas palavras. Neste caso, eu concordo em gênero, número e grau. E digo mais: o bom de não depender de ninguém para ser feliz é que, quando você encontra esse tal alguém especial, ele faz transbordar, faz brotar coisas ainda mais lindas que aquelas que você mesmo plantou. Faz fazer valer cada passo dado sozinho e que, a partir de tal momento, ganhou companhia. O bom de não depender de ninguém para se divertir, para se bastar, para se sentir inteiro, é que quando você finalmente descobre o que é amar, se entregar e viver algo pra valer, o mundo ganha mais cores além daquelas já conhecidas. As respostas se multiplicam e por vezes até as perguntas mudam, mas a grande delícia é buscar as resoluções a dois. E verdade: sua felicidade não depende de ninguém, mas é foda demais quando alguém nos faz ainda mais feliz, né? É bom pra caramba quando alguém chega e mostra que éramos felizes, mas podíamos ser muito mais. Espero que você também sinta isso um dia.
Vocês já se olharam no espelho e perceberam os seus avós? A relação com a ancestralidade e a memória dos antepassados é o que faz essa história infantil, escrita por Eliana Potiguara, ser tão linda e sensível. Por ser um livro infantil precisei compreendê-la pelos olhos da Heloísa menina. Depois compreender que o novo só é pleno com a presença do antigo. O Pássaro Encantando, de Eliana Potiguara, nos fala que cada um, como parte, integra o todo por meio da memória dos ancestrais. É um caminhar continuo, sem paradas e que nos torna uma espécie de Universo.
A relação das crianças com os avós nos ensina sobre o ciclo da vida, onde os ensinamentos eternizam os que partem, considerando a morte apenas uma peça do motor da vida. A memória daqueles que partem nos traz um sopro de alegria pelo que representaram e é também o marco de regulador sobre a responsabilidade com a formação das próximas gerações. As alegorias são inúmeras no livro, mas revelar cada uma não daria a dimensão do carinho que o livro tem. Vale a pena ler e experimentar por si cada revelação, e se no fim você não se perceber no papel das crianças, da grande avó e do pássaro encantado, volte e leia novamente. O livro me encantou do começo ao fim, com belas ilustrações, e foi um abraço carinhoso das minhas memórias mais gratas, os meus avós. Livro urgente para lembrar que, apesar do desenvolvimento do homem, ainda dividimos espaços com a Grande Mãe Natureza e devemos respeitá-la.
Viramos na Serzedello Corrêa e notei que o trânsito irritava meu marido, as plaquinhas eram pequenas demais e o fluxo dos carros muito louco, carros cortando pela direita ora pela esquerda. Tinha-se que dirigir por si e pelo próximo, considerando que o próximo poderia ser uma bicicleta, uma moto ou pedestre…
Não restavam dúvidas que um bom assunto distrairia nossas mentes daquele furdunço. Falar das ruas como acessos e movimentação urbana é procurar afirmar a condição psicológica de masoquista. Na minha Belém, é quase que a mesma coisa que falar do seu torturador. Mas encontrei uma forma de tratar a rua como um amigo, e me dei conta do quanto às ruas de Belém representam o que somos como povo.
E por uma única rua, percebi o quanto de formação histórica e social nosso povo tem, e agora… imagine isso num mapa da cidade! Por isso Serzedello Corrêa foi a rua que deu início a vontade de percorrer minha cidade com zelo e carinho, percebendo que em cada esquina havia uma história:
“Sabia que Serzedello Corrêa foi quem instituiu o Tribunal de Contas da União no Brasil? Isso mesmo, esse TCU que sai todo dia no noticiário da TV.
Serzedello Corrêa foi paraense, nasceu em Belém em 1858. Foi Ministro da Fazenda em 1892, na presidência de Floriano Peixoto. E, dizem que renunciou o cargo por não concordar com as certas interferências da independência da corte de contas.
Não percebemos as histórias se encontrando quando olhamos somente para um fato isolado, mas Serzedello Corrêa foi contemporâneo de vários fatos do mundo! Sabia que com 30 anos, Serzedello Corrêa viu a promulgação da Lei Áurea. Já aos 40 anos, ele viveu num Brasil onde o Vidal Brasil anunciou em 1898 a criação do soro contra mordida de cobra!
Por essa época também, caso Serzedello Corrêa fosse algum tipo de folião, ele possivelmente pulou carnaval com o famoso “Ó Abre Alas” da Chiquinha Gonzaga, marchinha que até hoje ouvimos no carnaval! E no último ano do século XIX (1899), Machado de Assis publicou Dom Casmurro, muitos leram para fazer prova de vestibular. Provavelmente Serzedello Corrêa leu sobre o romance de Bentinho e Capitu.
Ele foi um homem brilhante em seu tempo, e eu acredito que até hoje é exemplo. No livro Vultos Notáveis do Pará Serzedello aparece como um político que participou da história do Brasil ativamente.
A história sobre a República tem nomes de peso que ouvimos muito por toda Belém, e provavelmente pelo Brasil inteiro, que batizam nossas ruas, Benjamim Constant, Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva, Generalíssimo Deodoro são exemplos; personalidades que fizeram a história acontecer juntamente com Serzedello Corrêa.
O legal é percebermos as demais histórias que nossas ruas nos contam, por exemplo, pelos cruzamentos da Serzedello Correa podemos encontrar as histórias dos povos indígenas brasileiros como os Mundurucus, os Pariquis e os Caripunas, nome de outras ruas organizadas em grupos.
A Avenida SerzedelloCorrea possui outras grands histórias à parte da personalidade do político paraense, possui, por exemplo, o Cemitério mais antigo de Belém o Soledade, construído em 1850 na época que febre amarela, cólera e varíola dizimaram muito da população da cidade, o cemitério foi desativado em 1880, a rua há muito tempo atrás, era conhecida como Rua do Cemitério. A melhor parte da Avenida Serzedello é sem dúvida a Praça Batista Campos, lugar que faz parte do imaginário e do coração de todo belenense. O Cônego Batista Campos tem também sua história, uma rica e longa jornada de ideais que marcou o destino do que é hoje nossa cidade e nosso estado, e é outro capítulo das nossas esquinas.”
Todo início de relação tem sua fase de encantamento. Minha relação com os livros surgiu do encantamento por uma estante. A estante do vovô.
A estante do meu avô paterno era pequena, tinha no máximo umas quatro prateleiras, era de uma madeira escura e vivia fechada, mas toda vez que íamos visitá-lo, fatalmente entre uma troca e outra de idéias entre meu avô e meu pai, a estante se abria.
Abri-la era como estar diante de um Portal, um mundo diverso do meu, tudo nele me encantava: o cheiro dos livros, o barulho do trilho da porta, o mexer dos livros, a textura das capas, a estante e seus livros eram hipinóticos.
Estava consumado nosso compromisso, um pacto de paixão e cumplicidade: Eu e a estante de livros do meu avô. E cresci embalada pelas histórias que ele contava, pelos debates políticos entre meus tios e ouvia atenta as lendas amazônicas que daqueles livros guardados saiam toda vez que a luz faltava. Foi desse modo, simples e ruidoso, que minha paixão pelos livros começou.
Essas memórias estão sempre vivas, porque devo deixar também vivo meu avô, sua essência e sabedoria, tudo nessas lembranças fez de mim a leitora que sou hoje; e se depender de mim não há de se perder uma única linha que salta das estantes. Porque dessa vida só deixamos lembranças e levamos nossas experiências.
E dessa forma, entre estantes e livros caminho para liberdade, e desejo ao fim da vida poder deixar um o legado: Leitores e Encantados por livros. Pois a maior lição que a estante do meu avô me deixou foi perceber que ler liberta! Liberte-se.