O CONTO:
O vilarejo de Hamelin foi atacado por uma praga incontrolável de ratos, que estavam dizimando os suprimentos locais e proliferando doenças. Em um último recurso, o prefeito oferece uma quantia em dinheiro para quem conseguir se livrar da praga. É aí que um flautista viajante se apresenta e se diz capaz de tal feito, começa a tocar sua flauta e hipnotiza todos os ratos atraindo-os para o rio Weser, que corta a cidade de Hamelin, onde eles se afogam.
Quando retorna a cidade para receber seu pagamento devido, o flautista é enganado pelo prefeito que recusa-se a lhe pagar o que é devido. Como forma de vingança, o flautista hipnotiza todas as crianças atraindo-as para fora da cidade. E ainda hoje por mais que se procure, não se encontra nenhum rato e nenhuma criança em Hamelin.
Informações e curiosidades
O Flautista de Hamelin é um desses contos que ultrapassa gerações, explorado nos mais diversos formatos, a história da tragédia de Hamelin continua conquistando mais pessoas por onde é contada.
Quando os irmãos Grimm ouviram a história, através de um relato de uma camponesa no séc. XIX a narrativa já tinha sofrido uma série de variações ao longo dos séculos. Embora a versão dos Grimm tenha sido publicada em 1816, a mais famosa é a do inglês Robert Browning de 1842, que transforma a fábula em um poema rimado. Baseada em diversas lendas medievais e fatos históricos, a fábula data de bem antes, no século XVIII. O registro mais antigo da história, é da própria cidade, retratado em um vitral criado para a igreja de Hamelin que data de cerca do ano 1300, apesar de a igreja ter sido destruída em 1660, vários relatos escritos sobreviveram.
O vitral mostrava a imagem do flautista conduzindo uma procissão de crianças vestidas de branco e é geralmente citada como um tendo sido criada em memória de um acontecimento histórico trágico para a cidade.
A história possui ao todo, dois grandes eventos, o primeiro é o afogamento dos ratos. Na Idade Média, ratos eram uma verdadeira ameaça, uma vez que eles carregavam a peste bubônica (também conhecida como peste negra, devido aos bulbos de cor escura que se formavam na pessoa infectada) que dizimou um terço da população européia durante o século XIV, não é de se espantar que fábulas envolvendo esses pequenos roedores tenham se proliferado e ultrapassado os anos. É fato que a cidade de Hamelin sofreu com uma praga de ratos, porém não se data de maneira certa o ano.
Um dos principais eventos históricos a que a fábula do flautista parece aludir é a “Cruzada das Crianças”, ocorrida em 1212. Em verdade, foram duas as cruzadas infantis nesse ano, nas quais milhares de crianças teriam sido conduzidas até Jerusalém por um menino pastor. Reza a lenda que elas teriam peregrinado até o mar Mediterrâneo esperando que este se abrisse a sua passagem, como o Mar Vermelho se abrira para Moisés e os demais judeus em fuga do Egito, no episódio bíblico. O destino dessas crianças, porém, à diferença do dos judeus no Êxodo, teria sido trágico: poucas lograram voltar para casa, sendo a maioria raptada por traficantes e vendida como escrava.
Uma das diferenças entre as versões do conto, é o destino que as crianças tiveram. Os moradores estavam reunidos na igreja quando o flautista retornou para levar as crianças embora. No poema de Browning, por exemplo, as crianças possuem um final feliz, o flautista leva os pequeninos para uma especie de Terra Prometida onde eles podem desfrutar de todas as maravilhas. Outras versões afirmam que as crianças foram conduzidas ao rio Weser e tiveram o mesmo destino que os ratos, ou seja, afogaram-se. Algumas outras versões dizem que o flautista devolve as crianças após os moradores pagarem várias vezes o valor originalmente combinado em ouro.
Independente da versão, nó máximo três crianças permanecem na cidade para relatar aos moradores o acontecido: um menino coxo, que não pôde acompanhar o flautista, uma criança cega que não pôde ver o caminho que os outros estavam tomando e um garoto surdo que não ouviu a canção da flauta. Outra diferença entre as versões de Browning e a dos Grimm é quanto a caracterização do flautista, mais soturna na dos Grimm e mais alegre e arlequinal no poema de Browning.
Algumas teorias sobre o conto, sugerem que Hamelin foi assolada pela praga e as crianças podem ter morrido por conta da doença ou de causas naturais como a fome, neste contexto o flautista representaria a figura da morte que os levaria para um lugar melhor. Tal teoria é melhor fundamentada quando consideramos que, muitos historiadores afirmam que as primeiras versões do conto incluíam apenas o evento envolvendo as crianças, e que os ratos haviam sido inseridos na história anos depois.
William Manchester, em seu livro “A World Lit Only by Fire”, sugere que o flautista teria sido um psicopata pedófilo, porém, para a época, tal afirmação é altamente improvável, assim como também é improvável que um único homem pudesse sequestrar tantas crianças sem ser detectado. Além disso, em nenhuma parte do livro o autor oferece provas das suas descrições dos fatos.
Do ponto de vista psicanalítico, o conto discursa sobre como os filhos atrapalham a vida de um casal, abaixo seguem duas citações de Diana e Mário Corso, autores do livro Fadas no Divã (Artmed, 2006), que estuda contos de fadas e fábulas sob a luz da psicanálise:
[…] uma história européia que nos mostra a vontade dos adultos de se livrar desses pequenos seres que tanto comem e só atrapalham.O que a cidade não aguentava mais – os seres pequenos que tanto comem e que estão por todos os lados incomodando a todos – eram as crianças. Simbolicamente esse duplo movimento do flautista, ora com os ratos, ora com as crianças, de encantar e sumir é o mesmo. Trata-se de sumir com as crianças para a felicidade dos adultos. Claro que o final é triste para a cidade, que está privada de suas crianças, mas assim é a vida, sempre perdemos algo mesmo quando nossos desejos são satisfeitos. Uma incompreensão comum de quem se aproxima da psicanálise é pensar que o caminho da cura seria a simples realização dos desejos.
Pode parecer um tanto desconfortável para os pais, encararem essa visão incômoda da psicanálise a respeito do conto, o próprio fato de que as crianças são levadas para longe de seus familiares pode ser visto como uma quebra de atrativo para que os pais permitam que seus filhos se aproximem da história do flautista. No entanto, veja o que Bruno Betelheim, no livro A psicanálise dos Contos de Fadas (Paz e Terra, 2014, 29ª edição), diz a respeito da proscrição dos contos de fadas:
Algumas pessoas afirmam que os contos de fadas não apresentam imagens “verdadeiras” da vida tal como é, e que por conseguinte, são pouco saudáveis. Não lhes ocorre que a “verdade” na vida de uma criança possa diferente da dos adultos. Não percebem que os contos de fadas não tentam descrever o mundo exterior e a “realidade”. Nem tampouco reconhecem que nenhuma criança sadia jamais acredita que estes contos descrevam o mundo realisticamente.
Como acontece com a maioria dos contos, O Flautista de Hamelin não poderia deixar de ser explorado nas mais diversas adaptações, seja no teatro, nos livros, nos filmes, músicas e desenhos, a fábula continua encantando os mais diversos públicos. Uma das versões que eu mais gosto é a animação dos estúdios Disney, “Pied Piper” é um curta que faz parte da série Silly Symphony. Outra versão que eu considero excelente é o episódio “The Pied Piper of Hamelin” da série “Faerie Tale Theatre” de Shelly Durval, na série cada episódio contava a história de um conto de fadas diferente, geralmente com uma produção muito boa.
Bom, seja por seu contexto histórico, por seus mistérios ou pela atmosférica lúdica que o conto nos traz, eu espero que você que leu até aqui, tenha gostado de conhecer um pouco mais a respeito dessa fábula.