A verdadeira medida de um homem não se vê na forma como se comporta em momentos de conforto e conveniência, mas em como se mantém em tempos de controvérsia e desafio.
Categoria: Poesia
Esquece-a
ESQUECE-A
Amor é gozo ligeiro,
Mas é grato e lisonjeiro
Como o sorriso infantil;
Promessa doce, e mentida,
Alenta, destrói a vida;
É um delírio febril.
Muito te amei… minha lira,
Que triste agora suspira,
Nesta erma solidão,
Bem sabes ─ ricas de flores,
Cantava os ternos amores,
Do meu terno coração.
Minha afeição era pura.
Não era engano, cordura,
Não era afeto mentido;
Se ela assim te não cativa,
Esquece-a, que sou altiva,
Esquece-a, sim ─ fementido.
Fonte
“Cantos à Beira-Mar e Gupeva”, Maria Firmina dos Reis, Academia Ludovicense de Letras, São Luís (MA), 2017.
Cismar
CISMAR
À MINHA QUERIDA PRIMA ― BALDUÍNA N. B.
Quando meus olhos lanço sobre o mar,
Augusto ─ o seu império contemplando;
Quer tranquilo murmure ─ ou rebramando,
Expande-se meu peito extasiado.
Corre minh’alma pelo céu vagando,
Sobre seres criados ─ Deus buscando…
E fundo, e deleitoso é meu cismar.
Se ronca a tempestade enegrecida,
Pavoroso trovão rouqueja incerto;
As nuvens se constrangem, o céu aberto
Elétrico clarão vomita escuro:
Ao Deus da criação, ao rei da vida
Elevo o pensamento, e o coração…
Cresce, avulta, e aumenta a cerração
E em meu vago cismar só Deus procuro;
Se plácida no céu correndo vejo
─ A lua ─ o mar, as serras prateando,
Qual áureo diadema cintilando
Em casta fronte de pudica virgem,
Em meu grato cismar só Deus almejo…
Bendiz minh’alma seu poder imenso!
Bendiz o Criador do Orbe extenso,
Que os outros rege ─ que seu trono cingem.
E bendigo depois a minha dor,
Meu duro sofrimento, ─ o meu viver…
Porque pode apagar, fundo sofrer
As feias culpas do existir da terra.
Oh! sim minh’alma te bendiz Senhor.
Quando cismando se recolher triste…
Bendiz o eterno amor, que em ti existe,
O imenso poder que em ti se encerra!!…
Fonte
“Cantos à Beira-Mar e Gupeva”, Maria Firmina dos Reis, Academia Ludovicense de Letras, São Luís (MA), 2017.
* * * * *
Amor
AMOR
Ah! sim eu quero rever-te a medo
Terno segredo ─ que em minh’alma habita;
Mas, vês? Eu tremo… teu sorriso anima:
Vê, se o que digo, o teu dizer imita…
Um ai poderá traduzir ─ n’um ai
Tudo o que pedes que eu te diga agora;
Mas tu não queres!… teu querer respeito.
Eia… coragem! dir-te-ei n’uma hora.
Oh! não te esqueças meu rubor, meu pejo,
Vê que eu vacilo… que eu perdi a cor;
Embora… escuta. Tu me amas? ─ dize
Eu te confesso que te voto amor…
Fonte
“Cantos à Beira-Mar e Gupeva”, Maria Firmina dos Reis, Academia Ludovicense de Letras, São Luís (MA), 2017.
O Pedido
O PEDIDO
Oh! dessas flores que te adornam ─ virgem,
Embora esposa de um momento, ─ atende!
Uma somente, eu te suplico ─ dá ─ m’a;
Dos seios dela meu sossego pende.
Assim dizia adolescente belo,
Cuja afeição o conduzia a ela,
E com uma rosa perfumada, e leda
Brincava a jovem, festival donzela.
Ela fitou-o com um sorriso mago,
Cheio de encanto, de afeição singela,
E deu-lhe grata ─ desfolhando a rosa,
As meigas pétalas dessa flor tão bela!
Não sei, se a jovem estremeceu beijando-a;
Sei que guardou-as: ─ fraternal abraço!
Era essa rosa desfolhada ─ as notas
Últimas d’harpa, que se esvai no espaço.
Fonte
“Cantos à Beira-Mar e Gupeva”, Maria Firmina dos Reis, Academia Ludovicense de Letras, São Luís (MA), 2017.
Sócrates
Para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolvermos em nós mesmos as qualidades que naquela admiramos.
Leonardo da vinci
O ódio revela muita coisa que permanece oculta ao amor. Lembra-te disso e não desprezes a censura dos inimigos.
Leonardo da vinci
A necessidade é a melhor mestra e guia da natureza. A necessidade é terna e inventora, o eterno freio e lei da natureza.
Machado de Assis
Há coisas que melhor se dizem calando.
A LUA BRASILEIRA – Maria Firmina dos Reis
A LUA BRASILEIRA
Oferecida ao Ilmo. Sr. Dr. Adriano Manoel Soares.
Tributo de amizade e gratidão.
É tão meiga, tão fagueira,
Minha lua brasileira;
É tão doce, e feiticeira,
Quando airosa vai nos céus;
Quando sobre almos palmares,
Ou sobre a face dos mares,
Fixa, nívea, seus olhares,
Qu’enfeitiçam os olhos meus;
Quando traça na campina
Larga fita diamantina;
Quando sobre a flor marina,
Esparge seu níveo albor;
Quando manda brandamente
Sobre a campina virente,
Seu fulgir alvinitente,
O seu mágico esplendor;
Quando sobre a fina areia,
Que a onda beijar anseia
Molemente ela passeia,
Desdobrando alvo lençol;
Quando ao fim da tarde amena
Ressurge pura e serena,
Disputando nessa cena,
Primores co’o rubro sol;
Oh! eu sinto então meu peito,
A tanto encanto sujeito,
Tão comovido, e desfeito,
Por um sublime sentir,
Que dos ares n’amplidão,
Vagueia a imaginação,
Qual se me fora condão,
Outros mundos descobrir!
Podem outros seus encantos
Ver também, beber seus prantos,
Por seus vales, e recantos,
Por suas veigas, em flor;
Podem vê-la sobre os montes,
Trepando nos horizontes,
A retratar-se nas fontes,
C’roada de níveo albor;
Lá n’outros mundos; ─ mas, bela
Assim branca, assim singela,
Como pálida donzela,
Que geme na solidão;
Assim pura, acetinada,
Como flor na madrugada
Pelo rocio beijada,
Com mimo, com devoção;
Assim virgem na frescura,
Com tão maga formosura,
Percorrendo essa planura
De nossos formosos céus,
Isso não: Assim ninguém
Mimosa, leda, inocente,
Assim formosa, indolente,
Permitiu-nos vê-la Deus!
Quem não ama vê-la assim,
C’a candidez do jasmim,
Espargindo amor sem fim,
Na terra de Santa Cruz!
Quem não ama entusiasmado
Da noite o astro nevado,
Que, co’o rosto prateado,
Tão meigamente seduz!?!
Quem não sente uma saudade,
Vendo a lua em fresca tarde,
Branca ─ em plena soledade,
Vagar nos campos dos céus!
Quem não gera com fervor,
No peito em que ergue a dor,
Um hino sacro de amor,
Um hino eterno ao seu Deus!?…
Eu por mim amo-te, oh bela,
Que semelhas a donzela,
Com roupas de branca tela,
Com traços de fino albor.
Que vai pura aos pés do altar
Por muito saber amar,
Ao terno amado jurar,
Lealdade ─ fé ─ e amor.
Amo ver-te assim fagueira,
Minha lua brasileira,
Qual menina lisonjeira,
Que promete, e foge e ri;
E depois, inda voltando,
Vem com beijinhos pagando,
Aquele a quem se furtando,
De novo a chamara a si.
Assim, lua, teus encantos
Inspiram mimosos cantos:
Chora sobre mim teus prantos,
Vertidos na solidão!
Tens em mim, lua querida,
Uma amiga enternecida,
Que aninha n’alma sentida
Muita dor ─ muita aflição.
Só teus raios prateados,
Teus inocentes agrados,
Teus suspiros magoados,
Modificam tanta dor.
Vem pois com tuas carícias
Infundir brandas delícias,
E com suaves blandícias
Entusiasmar-me de amor.
Publicado originalmente no “Semanário Maranhense”, 1/3/1868, ano I, número 27, páginas 7 (segunda e terceira colunas) e 8 (primeira coluna).
SONHO OU VISÃO – Maria Firmina dos Reis
SONHO OU VISÃO?
Tu vens rebuçado
Nas sombras da noite
Sentar-te em meu leito;
Eu sinto teus lábios
Roçar minhas faces
Roçar no meu peito.
Não sei bem se durmo,
Se velo ─ se é sonho,
Se é grato visão:
Só sei que arroubada
Deleita a minh’alma
Tão doce ilusão.
Depois, um suspiro
Que cala mais fundo
Que prantos de dor;
Que fala mais alto
Que juras ardentes,
Que votos de amor,
Vem lento ─ pausado
Do imo do peito
Nos lábios ─ morrer…
Eu amo de ouvi-lo,
Pois desses suspiros
Se anima o meu ser.
Mas, ah! não me falas…
Teus lábios, teu rosto
Só tem um sorriso.
Depois vaporoso
Vai todo fugindo
Teu corpo ─ teu riso.
Então eu desperto
Do sonho ─ ou visão,
Começo a cismar;
E ainda acordada
Invoco em delírio.
Falta o verso final desta estrofe, em todas as fontes.
Oh! Vem no meu sono
Imagem querida
Pousar no meu leito
Com lábios macios
Roçar minhas faces
Pousar no meu peito.
“Escritoras Brasileiras do Século XIX ─ Antologia”, páginas 283 e 284, Zahidé Lupinacci Muzart (organizadora), Editora Mulheres e Editora da Universidade de Santa Cruz do Sul (EDUNISC), Florianópolis, SC, 1999.
Machado de Assis
Pensamentos valem e vivem pela observação exata ou nova, pela reflexão aguda ou profunda; não menos querem a originalidade, a simplicidade e a graça do dizer.