Livro urgente, importante e extremamente relevante para a realidade brasileira. Ainda que tenha sido escrito na década de 1960, este calhamaço de mais de 600 páginas conta e, em alguns momentos, reconta a história do Brasil. Apesar de se passar grande parte no século XIX, o livro conta com passagens nos anos de 1600 e em outros momentos mais recentes de nossas vidas, como no ano de 1977. E que maravilha é ler sobre a Guerra do Paraguai e Canudos pela escrita de João Ubaldo! Sem dúvidas, deveria ser leitura obrigatória no Ensino Médio.
Ao publicar “A disciplina do amor”, em 1980, a autora já era consagrada. Apesar de seu êxito como romancista, muitos críticos tinham apontado a ficção curta como o território de maior maestria da escritora. Agora ela ressurgia experimentando uma escrita mais livre, que despreza as fronteiras entre a ficção e a realidade, a invenção e a memória, o conto e o relato autobiográfico. Estava lançado o desafio à separação rígida dos gêneros literários. O resultado foi um dos livros mais bem-sucedidos, vencedor do Prêmio Jabuti e do prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Espécie de paródia amadurecida de um discurso da intimidade juvenil, o livro estende sobre o mundo um olhar atento, às vezes desencantado, mas sempre compreensivo e terno, na busca incessante da única hipótese de sabedoria cabível nos tempos modernos: “controlar essa loucura razoável”, seguindo o exemplo da “disciplina indisciplinada” dos apaixonados.
Em “Seminário dos Ratos”, publicado pela primeira vez em 1977, a autora lança mão de toda a sua maestria narrativa para explorar regiões recônditas da psique e do comportamento humanos. Em várias das suas catorze histórias, ela se aventura pelo fantástico como modo privilegiado de acesso ao real. Mas o fantástico de Lygia recusa as facilidades do chamado realismo mágico, apresentando-se a cada vez de maneira diversa e surpreendente. Alternando tempos narrativos, passando com desenvoltura da primeira à terceira pessoa, usando com destreza o discurso indireto livre, Lygia Fagundes Telles atinge neste livro a proeza de conciliar uma construção literária altamente complexa com uma capacidade ímpar de comunicação com o leitor.
Num pensionato de freiras paulistano, em 1973, três jovens universitárias começam sua vida adulta de maneiras bem diversas. A burguesa Lorena, filha de família quatrocentona, nutre veleidades artísticas e literárias. Namora um homem casado, mas permanece virgem. A drogada Ana Clara, divide-se entre o noivo rico e o amante traficante. Lia, por fim, milita num grupo da esquerda armada e sofre pelo namorado preso. “As Meninas” colhe essas três criaturas em pleno movimento, num momento de impasse em suas vidas.
Clarice exerceu o jornalismo desde 1941, quando ingressou como repórter na Agência Nacional. A descoberta do mundo é um livro de crônicas compiladas após sua morte e escritas para o Jornal do Brasil, nas quais discorre sobre temas variados: acontecimentos recentes ou cotidianos, suas angústias e indagações acerca da existência. Sua coluna foi um espaço de aproximação e diálogo com os leitores, no qual respondia a cartas e conversava sobre textos anteriores
Lançado pouco antes do falecimento da escritora, em 1977, A hora da estrela é protagonizado pela solitária Macabéa, alagoana que trabalha como datilógrafa no Rio de Janeiro. Clarice está presente na obra na forma do escritor Rodrigo S. M., que está à espera da morte e escreve essa história “na hora mesmo em que sou lido”. Desprovida de atrativos, Macabéa passa as horas vagas ouvindo o rádio e namora o metalúrgico nordestino Olímpico, que acaba a deixando para ficar com Glória. A protagonista continua sozinha até que um dia, seguindo uma recomendação de Glória, visita uma cartomante que revela toda a inutilidade de sua vida, mas também prevê o casamento com um estrangeiro rico.
G. H., a protagonista e narradora do romance, despede sua empregada doméstica e decide fazer uma limpeza no quarto de serviço. A partir desse enredo aparentemente banal, nasce uma das cenas mais conhecidas da literatura brasileira: o momento em que G. H. esmaga e coloca na boca a barata que encontra dentro de um dos armários. Ocorre, então, a saída da rotina em direção ao selvagem que habita essa mulher, dona de casa e mãe
A primeira coletânea de contos lançada por Clarice contém, entre suas treze histórias, algumas das narrativas curtas mais célebres da escritora. É o caso de “Amor”, no qual a visão de um cego mascando chiclete leva a protagonista, uma dona de casa dedicada ao marido e aos filhos, a confrontar a própria existência. Da mesma forma, os demais contos do livro trazem personagens surpreendidos por uma perturbação da banalidade de seus cotidianos, a partir da qual desconstroem a realidade que conhecem e são levados a uma contemplação filosófica da vida.
O romance de estreia de Clarice Lispector já traz a marca do seu estilo introspectivo e foi premiado como melhor romance de estreia pela Fundação Graça Aranha, em 1944. O livro conta a história de Joana, uma protagonista que expressa sua vida interior por meio de fluxos de consciência: ela contrapõe as experiências de menina e mulher, intercala passado e presente. O original de Perto do coração selvagem foi encaminhado para os dirigentes do jornal A Noite, onde Clarice trabalhava na época e que contava com uma editora, na qual foi publicado. O livro deu o que falar no círculo literário, recebendo elogios da crítica e comparações com escritores como Virginia Woolf e James Joyce. Mais tarde, Clarice afirmaria não ter lido nada desses autores antes de escrever seu primeiro romance. Ao mesmo tempo, em função de seu sobrenome incomum, tiveram início os boatos de que Clarice Lispector seria, na verdade, o pseudônimo de algum escritor famoso.
Dos livros listados aqui, Encarnação foi o único publicado postumamente. A história, inicialmente divulgada em folhetins, foi das últimas escritas pelo autor. O cenário é São Clemente, no Rio de Janeiro, onde o casal Carlos Hermano de Aguiar e Julieta vivem em um chácara. Infelizmente a esposa morre devido a um aborto. Perturbado com o falecimento da mulher, Hermano encomenda uma série de estátuas de Julieta que espalha pela casa.
A vizinha, Amália, que conhecia a história de Hermano e Julieta, ao ver as sombras de mulher espalhadas pela chácara crê que Hermano tenha quebrado a promessa de amor eterno. De tanto observar a vida do vizinho, Amália acaba se apaixonando por Hermano. Hermano, por sua vez, também se encanta por Amália.
O viúvo, por fim, toma coragem e se livra dos objetos da falecida esposa:
“Na ocasião em que cegamente apaixonado por Amália, decidiu pedi-la em casamento, Hermano refletiu sobre o destino que devia dar às relíquias da primeira mulher Não podia guardá-las como tinha feito até ali, porque seria isto uma infidelidade à esposa atual: não se animava, porém, a abandonar e como que expelir de si essas imagens e objetos, tão impregnados de sua vida, que faziam parte dela. Seria mutilar-se moralmente. Tomou uma resolução que pudesse conciliar tais escrúpulos Reuniu naqueles dois aposentos de Julieta tudo que lhe pertencera e fechou-os como se fossem a sepultura onde jazia a alma da primeira mulher.”
O viúvo se casa novamente e juntos tem uma filha, que nasce inexplicavelmente com as feições da mãe, Amália, mas também da falecida Julieta.
O romance Senhora, de José de Alencar, é a produção mais crítica do autor em relação ao casamento por interesse – uma situação frequente outrora. Os protagonistas da história são Aurélia Camargo, uma moça pobre, filha de costureira, e Fernando Seixas, então namorado da jovem. Ao perceber que o futuro financeiro casando-se com Aurélia não seria promissor, Fernando a troca por Adelaide Amaral, uma moça rica e de família.
A reviravolta acontece quando Aurélia torna-se órfã e recebe uma fortuna inesperada do avô. Com desejo de se vingar de Fernando, ela propõe comprá-lo. A transação é realizada e os dois se casam. O final dessa história, contudo, é feliz: Fernando trabalha para reunir dinheiro e comprar a sua alforria e Aurélia, percebendo a mudança no marido, resolve perdoá-lo.
“Aurélia recebeu da mão de Seixas vários papéis e correu os olhos por eles. Constavam de uma declaração do Barbosa relativa ao privilégio, e contas de vendas de jóias e outros objetos.
– Agora nossa conta, continuou Seixas desdobrando uma folha de papel. A senhora pagou-me cem mil cruzeiros; oitenta mil em um cheque do Banco do Brasil que lhe restituo intacto; e vinte mil em dinheiro, recebido há 330 dias. Ao juro de 6% essa quantia lhe rendeu Cr$ 1.084,71. Tenho pois de entregar-lhe Cr$ 21.084,71, além do cheque. Não é isto?
Aurélia examinou a conta corrente; tomou uma pena e fez com facilidade o cálculo dos juros.
Iracema é o romance mais celebrado de José de Alencar. Os protagonistas da história são Iracema, uma jovem índia, e Martim, um aventureiro português. Iracema pertencia a tribo dos campos Tabajara, era filha do pajé Araquém. Uma bela tarde, a moça dispara precipitadamente uma flecha envenenada contra Martim, que estava embrenhado na mata. Culpada pelo gesto impensado, Iracema o resgata e o leva para a tribo.
“Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu.
Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada, mas logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d’alma que da ferida.
O sentimento que ele pôs nos olhos e no rosto, não o sei eu. Porém a virgem lançou de si o arco e a uiraçaba, e correu para o guerreiro, sentida da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira, estancou mais rápida e compassiva o sangue que gotejava. Depois Iracema quebrou a flecha homicida: deu a haste ao desconhecido, guardando consigo a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz?”
Como Martim promete ajudar o pajé com a segurança da região, em troca lhe é oferecido estadia, comida e as mulheres que desejar. Já apaixonado por Iracema, Martim não aceita mais ninguém. A paixão, porém, era proibida, porque Iracema detinha o segredo de Jurema, o que fazia com que ela precisasse se manter virgem. Terrivelmente apaixonados e sem qualquer outra saída, Martim e Iracema fogem juntos.
O fruto desse amor nasce alguns meses depois, é Moacir, considerado o primeiro brasileiro (filho de uma índia com um português). Iracema morre logo após o nascimento de Moacir e o pai, Martim, regressa para Portugal levando o menino.