CALHAMAÇOS DA LITERATURA: Bíblia Sagrada

A Bíblia

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Eu sei, a Bíblia não é para ser um lida como um romance ou algo do tipo. Contudo não há como negar que um livro que começa com “No princípio ele criou o céu e a Terra” merece um pouco de respeito – pelo menos como narrativa. Não há quase nada de novo nas narrativas que vieram após o Velho Testamento que não estivesse já lá (e que também não estivesse na Epopéia de Gilgamesh, mas adaptação e plágios são a essência da Literatura como diz Linda Hutcheon). Há traição, vingança, sangue (muito sangue, muito mais que nos filmes do Tarantino), redenção etc. É uma rica trama de pequenas histórias a se interligarem, levando a apoteose, literalmente falando, do Apocalipse. Temos serpentes que falam e adoram uma intriga, mares que se abrem e se fecham com o bater de um cajado, chuvas de meteoros (e nem saímos ainda do Velho Testamento).

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: Grande Sertão: Veredas

Grande Sertão: Veredas – Guimarães Rosa

(CONTÉM SPOILERS)

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Nenhum romance brasileiro foi forte o suficiente para criar uma vertente própria e original como Grande Sertão: Veredas. Dentre os nomes que tentaram fazer algo semelhante a Guimarães Rosa estão João Ubaldo Ribeiro (Sargento Getúlio), Ariano Suassuna (Romance d’A Pedra do Reino), Mário Palmério (Chapadão do Bugre) e Benito Barreto (com a tetralogia Os Guaianãs). As fontes nas quais esse romance bebe são tantas e variadas que resumir Riobaldo em um ex-jagunço que conta sua história de vida é diminuí-lo. Por essas seiscentas e tantas páginas de aventuras e desventuras, vemos de tudo: jagunços em ação, um homem que era mulher (e cá temos talvez a melhor parte de todas, um quase romance homossexual em pleno 1956!), um pacto com o diabo ou quase isso. Atravessamos o sertão e o tempo com Riobaldo, chegando a modernidade e a um tempo que desaparecia junto com as convicções do narrador de que o diabo existia. Que mais dizer? A existência nos vem com tudo depois de toda essa travessia.

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: Os Buddenbrooks

Os Buddenbrooks – Thomas Mann

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Se Balzac precisou criar a Comédia Humana para mostrar a ascensão da burguesia na França, Thomas Mann precisou de apenas um breve romance de mil páginas para mostrar a decadência de uma família burguesa alemã – no caso, a dele próprio. No último canto do cisne do realismo, Mann em seu primeiro romance mostra como uma confortável e poderosa família vai declinando até, literalmente, desaparecer. Está tudo ali: partos, festas de casamento, mortes, funerais, as intrigas familiares daquela burguesia, os jogos de poder e tudo o resto. É claro, há o negócio da família, o irmão inconveniente, o irmã que só sabe errar na vida, o orgulho dos que perdem o lugar mas não a majestade. Em suma, temos o auge e o fim de um mundo e de seus personagens.

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: Os Irmãos Karamazov

Os Irmãos Karamazov – Fiodor Dostoievski

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Sinceramente, não sei se há muito mais a se dizer sobre essa monumental, por volta de mil páginas, e derradeira obra de Dostoievski. A história é mais velha que a própria história do mundo: o embate entre pai e filho. O pai, Fiodor Pavlovich, é um velho avarento sem nenhum amor a alguém que não seja ele próprio, dado a esquecer que tem filhos e barganhar a herança deles quando a reclamam. Dimitri Fiodorovitch, o mais velho dos três filhos, foi criado pelo mundo e é dado a arroubos e arrebatamentos tal qual o pai. Beberrão e imprevisível, Dimitri Fiodorovitch é o filho que bate de frente com o pai por causa da herança. Os outros dois irmãos Karamazov, Ivan e Alexei, são outros dois personagens extremamente complexos como tantos outros (o primeiro é um intelectual que odeia o pai abertamente e que sofre por isso; o segundo é o herói de toda a narrativa, pois se há alguma bondade por essa longa história, ela está em Alexei). Claro, como bom romance de Dostoievski, alguém morre e assim somos nós levados por mais de quinhentas páginas até encontrarmos o culpado, a seus motivos e tormentos. Também passamos pelo capítulo mais perverso da Literatura Mundial, o Grande Inquisidor, poema que Ivan Fiodorovitch narra ao irmão Alexei Fiodorovitch, no qual nada menos que Jesus Cristo volta e se depara com a Santa Inquisição em Sevilha.

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: A Comédia Humana

A Comédia Humana – Honoré de Balzac

Diz a lenda que o jovem Balzac, fatigado depois de atravessar a cidade a pé devido a pobreza, chegou a casa da irmã feliz da vida dizendo: “eu tenho o mundo na minha cabeça.” Ela, achando que o irmão havia enlouquecido de vez, perguntou-lhe o que era “a vida” e ele não respondeu. E o que poderia ter dito Balzac à irmã? Que via todas as engrenagens da sociedade francesa da época e que iria compor um conjunto de romances em que a dissecava minuciosamente? Se tivesse dito isso, com certeza teria ido para o espaço a Comédia Humana (afinal, quem não acharia Balzac maluco ao ouvir dizer isso?). Até Marx se rende a grandeza da Comédia Humana, dizendo que aprendeu mais sobre a sociedade burguesa da época lendo Balzac do que outra coisa. O problema é que para dar o efeito e a complexidade que queria, Balzac teve de fazer muitos romances, a maioria deles longuíssimos, tamanha era a complexidade do novo mundo que ele via fervilhar pelas rumas de Paris. Eugénie Grandet e O Pai Goriot, os dois primeiros respectivamente, fecham um pouco menos que mil e cem páginas. Isso sem contar outros grandes, e longuíssimos, romances como Mulher de Trinta Anos, entre outros. Se Balzac queria descrever toda a engrenagem da França que ele via, com seus aristocratas falindo, pensões baratas, espertalhões a galgar posição social e todo resto, não poderia ter escrito menos.

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: 2666

2666 – Roberto Bolaño

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Que história esperar de um romance de quase novecentas páginas escrito por um autor que sabia estar lutando contra a morte? Os mais apressados poderiam esperar uma narrativa sobre a vida e a morte onde o autor discorreria sobre proximidade do fim e a efemeridade da vida, os cinéfilos poderiam esperar uma recriação da cena clássica de O Sétimo Selo de Bergman, os filósofos, bem deixemos os filósofos para lá. Bolaño nos dá um romance não com uma história, mas cinco, todas elas apontando para a cidade de Santa Teresa, na fronteira do México com os EUA, local de muitos assassinatos de mulheres. Não há enfadonhas digressões sobre o sentido da vida ou algo assemelhado, apenas um amalgama extremamente bem delineado onde encontramos de tudo: professores universitários em busca de um autor em meio a uma complicada relação entre eles, um professor universitário a beira da loucura com sua filha, um repórter negro do Harlem cobrindo uma luta de boxe a contragosto no México, assassinatos misteriosos e mais assassinatos misteriosos de mulheres numa cidade esquecida por Deus no México, um autor alemão durante a segunda guerra e que está prestes a ganhar o Nobel, mesmo se esconde de todos. Para aqueles que esperavam um mundo nas quase novecentas páginas de 2666, Bolaño não dá um mundo, mas o mundo.

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: Em Busca do Tempo Perdido

Em Busca do Tempo Perdido – Marcel Proust

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Se uma vida cabe em páginas, esta é a de Proust – na clássica tradução de Editora Globo, na qual nomes como Manuel Bandeira, Drummond e Mário Quintana o traduziram, a vida de Proust mede 3938 páginas. Não há nada de épico nesse monumento literário que começa pelo simples fato do protagonista começar a rememorar a sua vida ao mergulhar uma Madeleine no chá (e isso já é lá pela página cinqüenta!). Tudo que temos é apenas a rememoração da vida de um francês um tanto afetado, asmático, dândi por natureza e freqüentador das altas esferas sociais da época. Entretanto não há como negar que apesar dos adjetivos maliciosos utilizados na frase anterior, Em Busca do Tempo Perdido é uma obra onde o autor escava a mais profunda das esferas humanas: as memórias. Enquanto o acompanhamos, passamos por salões cínicos, casos e mais casos – alguns são homossexuais, é claro – e a espera do beijo da mãe antes de dormir, entre outras tantas coisas. Nesse turbilhão sem fim que foi a vida do asmático Proust, vemos sua vida e sua obra nos fascinarem – e por que não, rememorar nossas próprias vidas?

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: O Tempo e o Vento

O Tempo e o Vento – Érico Veríssimo

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Sabemos que O Tempo e o Vento não é um romance e sim um conjunto de três romances, verdade. Contudo ler O ContinenteO Retrato ou O Arquipélago separado não vale tanto quanto o conjunto. Pelas quase três mil páginas desse romance de inspiração tolstoiniana, Érico Veríssimo cria e recria a história do Rio Grande do Sul e em parte do Brasil – bem como a da sua própria família. A narrativa acompanha a história dos Terra-Cambará durante duzentos anos, desde a sua origem até a desintegração em 1945. Como conjunto, talvez seja o romance mais completo da literatura brasileira. O Tempo e o Vento tem personagens inesquecíveis, tais como Ana Terra, Capitão Rodrigo, Fandango e o Dr. Rodrigo Terra-Cambará, além dos que normalmente são esquecidos pela História – os Caré, família tipificada por Érico na tentativa de mostrar os desvalidos da sociedade gaúcha que se formava. Do seu início na água furtada até a fim do grande clã de Santa Fé, Érico nos apresenta um épico sobre a formação do Rio Grande do Sul, da sua elite, do seu povo e dos seus erros.

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: Guerra e Paz

Guerra e Paz – Liev Tolstói

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É um livrão em todos os sentidos possíveis que o trocadilho pode alcançar. Com aproximadamente 1500 páginas e escrito em francês e russo, o livro em si impõe quase a total impossibilidade de resumo, tamanha é a obra e a extensão de seus temas. Podemos tentar resumi-lo em alguns pontos: narrativa sobre a invasão do exército francês de Napoleão ao Império Russo; o patriotismo russo da época pela grande Mãe Rússia; a vida e as intrigas da aristocracia russa; a vida dos pobres e desvalidos de quem Tolstói tanto admirava; a análise psicológica da alma humana   (valendo a citação das três principais personagens: Pedro Bezukhov, André Bolkonski, Natasha Rostova); um tratado sobre a guerra e o valor da paz… Mas como vemos, a lista de possibilidades desse grande épico russo sobre a invasão de Napoleão e o valor da alma humana são indescritível nas palavras de um pobre mortal.

CALHAMAÇOS DA LITERATURA: Apresentação

Se há algo que assusta um leitor, mesmo os mais experientes, é um livro grande, daqueles que pelo tamanho já se impõem, ou pura e simplesmente: calhamaço. Não é que não tenhamos curiosidade de saber com que o autor preencheu as várias e várias laudas para formar aquele tijolo de papel, mas o fato é, mesmo para os cowboys mais dados a labuta da leitura, que um livro com mais de quatrocentas (ou quem sabe quinhentas?) páginas é, no mínimo, desafiador. Ao término dele – e dos dias que seguiram a leitura – o misto de felicidade e de tristeza é inevitável: felicidade por ter passado pelo calhamaço e estar vivo; tristeza por ter passado pelo calhamaço e saber que acabou, que o mundo criado pelo autor não nos trará nada de novo, que estamos órfãos.

Por isso, resolvi fazer uma série de publicações recomendando livros calhamaços pra vcs.

CURIOSIDADES LITERÁRIAS (PARTE IV)

16 – O manuscrito de Paris é uma festa estava “perdido” no porão do Ritz Hotel, em Paris.

Em 1928, Ernest Hemingway guardou dois baús, que continham cadernos com relatos dos anos vividos em Paris. Então, em 1956, Hemingway recuperou os baús e os compilou na forma de suas memórias. O produto final só foi publicado três anos depois de sua morte.

17 – O senhor das moscas já serviu de inspiração para diversas plataformas.

A última faixa do primeiro álbum da banda U2 leva o nome de um dos capítulos do livroShadows and Tall Trees. O livro já foi adaptado, também, duas vezes para o cinema e é amplamente utilizado em escolas norte-americanas.

18 – Orgulho e Preconceito iria se chamar “Primeiras Impressões”.

Quando o romance foi inicialmente rejeitado pelos editores, Jane Austen fez significantes modificações, entre elas a troca do título. As revisões foram feitas entre os anos de 1811 e 1812.

19 – O monstro em Frankenstein não tem nome.

Essa é mais velha que andar para frente, mas, na verdade, Frankenstein é o nome do cientista que cria o monstro. Durante a leitura do livro, há apenas uma cena em que Shelley, a escritora, se refere a ele como Adam.

20 – O livro Onde vivem os monstros iria se chamar “Onde vivem os cavalos”.

O motivo do título ter sido trocado é que Maurice Sendak não conseguia desenhar cavalos. Então, quando o editor perguntou o que ele conseguia desenhar, ele disse “monstros”. “Monstros” foi exatamente o que entrou para o livro.

Clube do Gueto