Uma tarde em Cumã – Maria Firmina dos Reis

UMA TARDE EM CUMÃ

Aqui minh’alma expande-se, e de amor

Eu sinto transportado o peito meu;

Aqui murmura o vento apaixonado,

Ali sobre uma rocha o mar gemeu.

E sobre a branca areia ─ mansamente

A onda enfraquecida exausta morre;

Além, na linha azul dos horizontes,

Ligeirinho baixel nas águas corre.

Quanta doce poesia, que me inspira

O mago encanto destas praias nuas!

Esta brisa, que afaga os meus cabelos,

Semelha o acento dessas frases tuas.

Aqui se ameigam de meu peito as dores,

Menos ardente me goteja o pranto;

Aqui, na lira maviosa e doce

Minha alma trina melodioso canto.

A mente vaga em solidões longínquas,

Pulsa meu peito, e de paixão se exalta;

Delírio vago, sedutor quebranto,

Qual belo íris, meu desejo esmalta.

Vem comigo gozar destas delícias,

Deste amor, que me inspira poesia;

Vem provar-me a ternura de tu’alma,

Ao som desta poética harmonia.

Sentirás ao ruído destas águas,

Ao doce suspirar da viração,

Quanto é grato o amor aqui jurado,

Nas ribas deste mar, ─ na solidão.

Vem comigo gozar um só momento,

Tanta beleza a me inspirar poesia!

Ah! vem provar-me teu singelo amor

Ao som das vagas, no cair do dia.

NB – Cumã – praias de Guimarães

Páginas 25 e 26 da edição original.

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