Anil (Guimarães Rosa)

ANIL

O voo, quase vertical, da jaçanã fugida
levantou meu olhar,
no dorso esbelto, de zinco polido,
à calota do céu,
liso, congelado em calmaria,
e quase sólido, em cobalto líquido.
Pensei que a ave fosse frechar, de cheio,
para pescar peixinhos escamados de ouro:
as estrelas que mergulharam de madrugada…
E que a água longe se abrisse
nos nove círculos concêntricos
das nove beatitudes…

Mas o pássaro foi breve um grânulo dissolvido,
entre nuvens fugindo como flocos de espuma,
com a paisagem a luzir, no seio de uma bolha,
o sol a se desmanchar, como um sabão redondo,
e o céu todo água, num côncavo de bacia
onde lavam o dia…

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