Esboço de um Discurso Poético, Profético e Político.

É praxe num discurso sobre a importância dos livros que o orador molde sua própria voz num tom meio profético, meio político e, por que não dizer, até mesmo apocalíptico. Provavelmente não fugirei á regra. Exceto em um ponto, o menos discutido talvez.

Numa sociedade cada vez mais utilitarista e funcional, o ato de ler é cada vez mais “glorificado” (na imprensa, na sala de aula, no trabalho) como algo realmente importante, pois nos possibilita, por exemplo, aprender novas palavras, aprender a escrever melhor e adquirir novas visões de mundo por meio de escritores originários das mais diversas localidades e tempos históricos.

Não tem nada de errado nisso.

Entretanto, tendemos a ver a leitura-livros não como algo que deveria “estar na cesta básica do brasileiro, ao lado do feijão e do arroz”, mas sim como uma escada.

Como assim uma escada?

Ilustremos este conceito da seguinte forma: um estudante universitário, geralmente jovem, ainda cheio de ideais e brilho nos olhinhos de gude, está abarrotado de livros para ler neste semestre, a maioria de suas leituras se resume a obras técnicas e/ou didáticas, sem contar as apostilas. Lê muito, impulsionado, claro está, pelas provas que se aproximam, pelos trabalhos acadêmicos, pelo TCC que deve ser defendido já no mês que vem. Sofre por cinco longos anos e, finalmente, conclui o curso. Já tem o diploma em mãos, já está com seu currículo acadêmico completamente preenchido. Era uma vez o estudante que resenhava ardorosamente os autores principais de sua área: agora o ex-estudante quase não lê, nas horas vagas procura se entreter vendo vídeos na internet, comentando e curtindo postagens nas redes. No final de semana, cansado do trabalho (ou, quem sabe, da falta dele) vai até o cinema, ou ainda melhor, fica em casa onde tem Netflix.

Acredito que a maioria de nós é ou será como o ex-estudante, leitores ávidos num período da vida e depois decadentes, desinteressados, e (o que torna mais amarga a ironia) conscientes do quanto é importante a leitura em nossa vida ou qualquer outro chavão intelectual do gênero.

Por isto o termo “escada”, a leitura só tem valor enquanto meio de conseguir status, reconhecimento acadêmico ou, simplesmente, um diploma. Utilizamos a escada para chegar até determinado patamar, uma vez que se chegue ao andar pretendido, a escada se torna inútil – por mais que se reconheça sua importância e valor.

Em outras palavras: o problema não é que não se leia, o problema é que não se gosta de ler. E há uma discreta (mas enorme) diferença nisso. Freud já dizia que somos regidos pelo principio do prazer em nossas relações com o mundo, por que deveria ser diferente com nossas relações com a literatura – que nada mais é que um mundo reinventado constantemente? E, entretanto, ainda é forte a concepção do livro como algo pesado, difícil, algo acessível apenas para alguns “tipos” específicos de pessoas, como “intelectuais, estudantes ou professores”; tal visão tende a colaborar a ideia de que os leitores (está espécie ameaçada de extinção) são um bando de esnobes pertencentes a uma elite distante que nada tem a ver com a vida real de fato.

Colocar o prazer da leitura como cláusula capital para a formação de um real interesse é o ponto de partida pra se pensar como fomentar – seja num trabalhador braçal de construção civil ou uma motorista de ônibus – a leitura em todas as classes sociais e em qualquer lugar.

Para uma saudável relação com a leitura é necessário ter um orgasmo com o livro que se está lendo. Parece brincadeira, mas é verdade. A literatura, está “verdade das mentiras”, como diria o escritor peruano Mario Vargas Llosa, precisa ser vista como meio e como fim em si mesmo.

Na escola aprendemos várias coisas sobre poesia, aprendemos principalmente a odiá-la. Para que aquela insistência em ensinar a contagem de estrofes ou a separação de silábas num verso? Isto tira todo tesão que um pré-adolescente poderia ter daqui pra frente a cerca da literatura e ramificações. A leitura não deveria resgatar, antes de tudo, o nosso senso lúdico de observar a realidade? A literatura não deveria ser mais do que uma morfina para aguentar o dia a dia? Mas isto já é assunto para um tópico no fórum do Clube do Gueto.

Indico aos interessados no assunto que leiam este texto do tradutor Paulo Raviere.

[Uma gororoba feita por Baleia, a Cadela]
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